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Questão de limiar
por Petrucio Chalegre, Diretor-Presidente

"Quando uma peça de artilharia atira ninguém sabe o lugar exato em que o projétil cairá. Sabe-se que o obus explodirá em uma área chamada "retângulo de dispersão". Se dispararmos a peça muitas vezes, com a mesma carga de projeção e inclinação, este retângulo começará a se desenhar no terreno alvo. Só no cinema, é claro, os tiros são precisos, acertando o alvo em cheio ao primeiro disparo, afinal é preciso economizar celulóide.

Por incrível que pareça, a sociedade humana também está submetida a um semelhante efeito estatístico. Nenhuma pessoa pode adivinhar onde acertará o primeiro tiro, mas dados disparos suficientes pode-se garantir que todo o retângulo de dispersão será atingido. USA-se isto em propaganda principalmente. Porém aqui quer-se abordar os efeitos tidos como geralmente inócuos.

A muito tempo ficou claro que uma notícia de suicídio provoca outras auto eliminações, mais interessante ainda, o método é imitado. A primeira sensação é que a mera notícia não poderia causar isto, sim, é verdade, mas nos indivíduos médios. Em uma população de milhões existirão alguns indivíduos que estão a beira do abismo, tão na borda que um mero sopro os atirará lá embaixo, o sopro da decisão de outro um infinitésimo mais decidido que ele.

Pode-se dizer com a precisão de um cálculo atuarial quantas mortes surgirão por milhão a partir de um determinado estímulo. Pura matemática. O mesmo se aplica aos desequilibrados mentais, capazes dos crimes que vez por outra nos sacodem. Um grupo incendeia um suposto mendigo, a vasta divulgação horroriza a sociedade inteira, mas um pequeníssimo grupo sente-se motivado e esta modalidade de crime pipoca aleatoriamente pelo país inteiro.

Pornografia desperta e talvez melhore o desempenho de muitos insuficientemente acordados para o prazer. De novo a média. Porém aqui e ali indivíduos limítrofes ultrapassam o lícito e projetados além da beira precipitam-se no crime. Indiferentes as conseqüências expomos a comunidade inteira a esta propaganda. Países mais antigos e mais liberados, como a Holanda e a Dinamarca, confinam a exposição a lojas fechadas aonde só podem entrar maiores de idade.

Eis desenhado o problema, sociedades rígidas com alto grau de censura, como os Mórmons tem baixo índice de criminalidade. Há cidades de 20 000 habitantes em que em um século nenhum homicídio foi cometido. Nosso mundo é libertário e não aceita uma censura deste tipo, mas podemos pensar em como reduzir os estímulos que disparamos pela mídia em catadupas sem fim.

A exposição de todos a estes pequenos empurrões psicológicos provoca os efeitos descritos nos indivíduos limítrofes. As vítimas somos nós a média da população que não entende que os tiros dados no retângulo de dispersão atingirão, cedo ou tarde, os criminosos potenciais, desencadeando os atos de barbárie que dizemos não compreender.
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