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Globalização 2000AC
por Petrucio Chalegre, Diretor-Presidente

"Quando Wa Tuan encontrou acidentalmente Pen Ka no território limítrofe de caça, percebeu de imediato que seu arco era muito inferior ao dele. Pen Ka também viu que a faca de obsidiana do caçador da outra tribo era mais afiada, afinal sua tribo não tinha uma jazida desta pedra em seus domínios. Profissionais que eram, simpatizaram um com o outro e ultrapassando algumas barreiras dialetais, entraram em acordo, trocando suas peças atrasadas tecnologicamente pelas melhores do colega.

Chegando Wa Tuan na sua tribo, com o arco de Pen Ka, atraiu de imediato a inveja e o desejo aquisitivo de seus colegas. Todos queriam aquele arco de madeira desconhecida, mais longo e potente. No benefício de toda a tribo Wa Tuan dispôs-se a comerciar com Pen Ka, trocando suas melhores facas pelos desejados arcos da tribo vizinha.

Tudo iria magnificamente bem, com melhor caça para todos e maior produtividade geral se não fosse a revolta do isolacionista Atro que iniciou uma imediata pregação. Segundo Atro a tribo iria perder soberania porque ficaria dependente dos arcos alheios, e mais, o fabricante local de arcos ia sair prejudicado já que ninguém mais queria aquelas coisas fracas e ineficientes, sua família ia ficar desempregada! Ele teria que voltar a caçar ou achar uma atividade na fabricação de facas, que estava crescendo com a nova demanda.

O conselho da tribo se atrapalhava com a nova discussão, os consumidores queriam os produtos melhores, Atro enchia a boca com seus argumentos de nação, desemprego local, perda de preciosa independência, acusando a chefia da tribo de estar se entregando a possíveis inimigos externos, e além de tudo, a tradição de guerra estava sendo posta abaixo por este clima de simpatia que as relações de troca estavam criando.

Atro começou a perceber que estava perdendo sua batalha nacionalista quando viu alguns membros do conselho tribal comprando os novos arcos. O desejo coletivo acabou se sobrepondo as ambições de poder da turma de Atro e dos momentaneamente prejudicados. Algum apoio a família do fabricante de arcos para que se estabelecesse fazendo um novo tipo de cestas serviu para acalmar os ânimos dos que pretendiam que as coisas não mudassem.

Mal sabia Wa Tuan que de tribo o problema passaria para condado, ducado, reino, nação, mercados comuns e impulsionado por telecomunicações, transportes a jato e uma língua franca mundial, iria derrubando as forças resistentes, até englobar o planeta inteiro numa rede de trocas competitivas. A qualidade subiria a níveis inconcebíveis, o melhor produto teria que ser o melhor do planeta, o preço também. Uma reacomodação mundial deslocaria os ineficientes para outras atividades, os governos precisariam azeitar esta transferência para reduzir as tensões.

E os Atros com sua pregação pela permanência do status quo? Bem estes teriam o destino de sempre, pregar contra os ventos e ser soterrados pelos acontecimentos. Como todos os que no passado pregaram contra cada novidade para não perder o poder que lhes escorrega entre os dedos avaros de domínio."

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