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Dona Lourdes e o método
por Petrucio Chalegre, Diretor-Presidente

"A pia de D. Lourdes entupiu. Premida pela necessidade de ter instrumento tão essencial em perfeito funcionamento, despejou-lhe duas panelas de água fervente que muito lentamente desceram pelo cano. Permanecia a obstrução. Seria pó do chá? Gordura que se acumulara? Foi ao empório da esquina e comprou um desentupidor. A química funcionaria, aquele cheiro era claramente venenoso, e derramado no cano o produto sibilou e ferveu com sinistras ameaças. Trinta minutos depois, água fria, como o rótulo ensinava. Nada. O líquido se acumulou e voltou a descer devagar. Irritada D. Lourdes partiu para as experiências heróicas, pegou uma garrafa de coca-cola e despejou no cano. Cinco minutos depois voltou. Abriu a torneira. A água gorgolejou e correu facilmente.

Agora eu ouvia sua descoberta "científica": coca-cola desentope pias. Escutei sua narrativa e tentei perguntar se os atos cumulativos anteriores não teriam influência no seu resultado. Mal conteve sua indignação, estava-se a duvidar de sua competência em coisas de cozinha? Incauto, expliquei que para atestar tal fato, e ser capaz de assegura-lo, precisaríamos comprar uma dezena de canos transparentes, entupi-los de forma idêntica e com as mesmas substâncias. Derramar diferentes desentupidores, água pura inclusive, e anotar cuidadosamente os tempos e efeitos obtidos. Virou-me as costas ofendida. Certamente está espalhando que sou acionista da coca-cola e que esta não se quer vista como desentupidora e sim como refrescante e adocicada.

Parece engraçado para quem já aprendeu que o estabelecimento da verdade exige método. Negar a validade da dúvida e dos testes virou moda. Pode-se fazer afirmações sem base e elas serão aceitas, quem duvidar passa por tolo. A história de D. Lourdes me veio à mente quando li que os salários médios industriais dos países em desenvolvimento passaram de 10% do salário médio industrial americano em 1960 para 30% do mesmo em 1992. Uma ascensão impressionante. Distribuição de renda dos desenvolvidos para os emergentes através de transferências de empreeendimentos. No entanto afirmamos freqüentemente que a pobreza dos países do segundo time aumenta. Nenhum grande numero apoia isto. Só é verdade para os países que recusam se integrar mundialmente, mergulhados em guerrilhas ou ideologias fracassadas. Até o que se entende como pobre é um número em mutação. Pelos critérios atuais, em 1900 estariam abaixo da linha de pobreza 98% dos americanos. Para se afirmar qualquer dado é preciso também informar que espécie de medida está sendo usada. Os nossos especialistas amadores de economia avaliam os acontecimentos pelos métodos de D. Lourdes e isto obscurece tremendamente os resultados de suas análises."

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